A Matriz de identidade segundo Filho

identidade

 

Os fundamentos da Matriz de Identidade de Moreno foram amplamente estudados por vários autores em todo o mundo. Filho (1980) é um psicodramatista brasileiro que estudou a fundo o conceito de matriz de identidade, ele propõe que através do Psicodrama, pelo uso da técnica da inversão de papéis, seja possível medir a capacidade de “inverter ou experienciar o outro”. O autor postula que com isso, será possível medir o grau de “saúde” ou de “doença” que atinge as pessoas.

Segundo Filho (1980), para cada papel existe um contra-papel, ou papel complementar e através da relação entre eles surge o vínculo. Filho postula ainda que um bom desempenho de papel permita presumir uma adequada percepção do contra-papel e vice-versa. O autor pressupõe ainda que a ausência total de “elementos psicóticos” resultaria em um desempenho e inversão de papéis perfeitos, o “sinal de não inverter papéis” significa algum processo sadio alterado. Filho observa que isto apresente consonância com a teoria da matriz de identidade de Moreno, onde há regressivamente em primeiro lugar, a perda da inversão de papéis, subsequentemente a alteração das fases intermediárias e finalmente a revogação do desempenho de seu próprio papel, em direção a indiferenciação. Por tanto, segundo o autor, a alteração na capacidade de inverter papéis é um indício de “doença”.

O autor ressalta ainda que inverter ou não os papéis, não se restringe somente em uma cena psicodramática, mas se estende em longo prazo. Outra ressalva que o autor faz se dá a respeito dos neuróticos não conseguirem desempenhar certos papéis, por serem papéis impregnados de forte carga emocional, o que podem gerar uma restrição de espontaneidade e de desempenho. Por outro lado, o bloqueio do psicótico, principalmente em surto, é mais intenso, amplo e profundo, a inversão de papéis pode tornar-se ameaçadora e invasora, são pessoas polarizadas totalmente pelo seu mundo delirante. Além disso, o autor chama atenção para o devido aquecimento do protagonista para a cena, que caso não seja adequado, pode resultar em uma incapacidade de inverter papéis.

Filho aprofunda-se na matriz de identidade e apresenta um esquema de desenvolvimento humano dividido em dez fases:

Indiferenciação – A mãe no período da lactação é relativamente independente da criança, pode deixá-la e retornar quando novos cuidados forem necessários, existe então um desvinculamento do Eu-mãe sob o ponto de vista do Tu-filho. Porém para a criança isso não ocorre, ainda não existe a distinção de si mesma. Então o Eu-filho se confundo o Tu-mãe. Há uma mistura de suas “coisas” com o mundo circundante, seus sentimento e os da mãe são unos, experimenta os objetos e pessoas coexistentemente. A criança nessa fase é regida por mecanismos interoceptivos, quando sente frio, fome, dor ou chora, o próprio “mundo” cuida dela, está por tanto, misturada com o “mundo”, não distingue o Eu do Tu.

Simbiose – A vivência cósmica começa a diluir-se, a criança vai caminhando para ganhar sua própria identidade como pessoa, para assim, discriminar o “outro”, o Tu e o mundo, porém ainda não consegue totalmente. Dessa forma, segundo Filho, teríamos a criança ainda unida por uma forte ligação com a mãe. Uma dificuldade na comunicação “inter” entre o Eu e o Tu, nesta etapa, pode desenvolver uma alteração na comunicação do “inter”, já que os dois elementos estão envolvidos diretamente na ligação.

Reconhecimento do Eu – É o estágio de reconhecimento de si mesmo, a descoberta de sua própria identidade, percebe que seu corpo está separado da mãe, das pessoas, dos objetos, passa a identificar e distinguir sensações corporais.

Reconhecimento do Tu – Ao mesmo tempo em que está se reconhecendo como pessoa, também está percebendo o outro, identificando o Tu, descobre que o outro sente e reage em relação às suas iniciativas.

Relações em corredor – O Eu e o Tu já estão reconhecidos, segundo Filho, é onde se estabelece a “brecha entre a fantasia e a realidade”. A criança adquire uma capacidade discriminatória entre fantasia e realidade, o que sou Eu e o que é o resto do mundo. Nessa fase ocorre o esboço da inversão de papéis e o Tu não representa só a mãe, há um Tu de cada vez. O relacionamento em corredor diz respeito a relacionamentos exclusivos e possessivos, sente que o Tu existe só para si.

Pré-inversão – Inicia-se o processo em que às vezes faz de conta que é o ladrão, o médico etc. Realiza o jogo do papel do Tu, mas sem inversão, sem reciprocidade, porém inicia-se o treinamento da inversão de papéis. A boneca é ela e ela é a mãe, ela é a mãe em relação ao irmãozinho, e assim por diante. É um treinamento protegido para inverter papéis.

Triangulação – Filho (1980) ressalta que o aspecto comunicacional do relacionamento que até então era bi-pessoal, passa agora a ser triádico, mas não negando o aspecto sexual. A criança faz seus relacionamentos em corredor e nessa fase percebe que não é única para o seu Tu, existe um Ele. É como se tivesse perdido seu Tu, é uma situação crítica de desamparo, a criança pode responder com uma boa ou má resolução do complexo triangular, isso depende da inter-comunicação entre dos três. A resolução ideal dessa “crise de triangulação” seria com a criança aceitando a realidade de que os “outros” têm relacionamentos independentemente dela, mas que isso não signifique que esteja ameaçada de perda afetiva.

Circularização – Após a fase da triangulação, a criança está apta a se relacionar com mais pessoas, grupos, escolas, etc. É a socialização da criança, sua entrada na vivência sociométrica dos grupos. A criança ganha a perspectiva de relacionar-se com Eles e sem seguida também fazer parte do grupo, entrando assim no mundo do Nós.

Inversão de Papéis – Segundo Filho (1980), é a capacidade de comunicação verdadeira entre duas pessoas, concretiza-se sob a égide da tele. Essa fase representa um sinal de maturidade e de saúde psicológica, através dela detecta a carga transferencial que o Eu deposita no Tu, como o Eu relaciona consigo mesmo e com figuras internalizadas. Conforme diz Filho, a relação trasnferencial é uma relação do Eu com seus próprios fantasmas.

Encontro – O encontro ocorre de forma tão intensa que a espontaneidade e criatividade presente são liberadas no ato de entrega mútua, representa um momento de “saúde” da relação. As pessoas envolvidas fundem-se na “re-união” cósmica.

Filho (1980) usa a expressão “memória organísmica” para descrever a capacidade da criança de reter memórias de vivências anteriores aos 2 ou 3 anos de idade que não são alcançadas pela memória evocativa. Seria um registro sensível, não somente para as relações humanas já estabelecidas, mas para todas as situações vitais.

O autor afirma que o registro abrangeria a capacitação consciente e inconsciente dos vínculos e do ambiente, mesmo que a criança não tenha consciência do clima que a cerca, isso ficará gravado no seu corpo, mente e coração. Filho afirma que tal registro se localiza na globalidade do ser, não apenas no cérebro, mas também nos músculos, órgãos, pele, na “gestalt” que representa aquela pessoa.

Deixe um comentário